segunda-feira, 31 de março de 2008

Genética, Ambiente e Psiquismo

Nos últimos anos, as neurociências vêm progredindo geometricamente, subsidiando os estudiosos da mente com conhecimentos que permitem uma visão muito mais clara e abrangente do funcionamento cerebral e do comportamento.
Eric Kandell, ilustre ganhador do prêmio Nobel de Medicina, elencou cinco axiomas fundamentais;
1 – Toda e qualquer ocorrência mental se deve a uma função cerebral.
2 – A genética é um componente importante do psiquismo.
3 – Fatores ambientais influenciam a expressão gênica.
4 – O aprendizado pode desencadear e perpetuar alterações na expressão gênica.
5 – As psicoterapias operam através do aprendizado.
Os genes modificam o comportamento e o comportamento modifica os genes. Os processos biológicos não são determinados exclusivamente pela genética, nem a função precípua dos genes é a transmissão imutável de características de uma geração a outra. Não se trata de um sistema estanque cuja expressividade e penetrância sejam inflexíveis.
Os genes são os moldes para sua própria replicação e determinam, em parte, o fenótipo através da transcrição genética. A “tarefa” biológica é prover as sucessivas gerações de cópias fiéis do patrimônio genético da espécie. A fidelidade da replicação só pode ser quebrada por mutações aleatórias, estando, portando, fora da influência ambiental.
Embora todas as células de um mesmo organismo contenham todo o acervo genético disponível, apenas uma pequena parte dos genes se expressa. A função transcricional de um gene que vai redundar em sua capacidade de sintetizar proteínas é passível de regulação e responsiva a fatores ambientais.
O DNA codifica e transcreve o RNA mensageiro, que por sua vez irá moldar uma nova cópia do DNA. Através da chamada regulação epigenética, diversos fatores como hormônios, estresse, aprendizado e interação sócio-ambiental podem modificar a transcrição e, portanto, a expressão gênica.
Um gene único não determina um comportamento, mas o fazem vários circuitos neurais, envolvendo vários milhares de neurônios, cada um dos quais expressando genes específicos direcionados à síntese de determinadas proteínas. Todos os elementos necessários para a neurotransmissão, como os próprios neurotransmissores, receptores, canais iônicos, vesículas sinápticas, etc., são produtos gênicos constituídos por proteínas.
O DNA contém todas as informações necessárias para dirigir a formação, a migração e a conexão de neurônios, assim como para eliminá-los ou fortalecê-los. Os processos mentais resultam do funcionamento adequado destes elementos. Para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras, assim como de uma personalidade sadia e bem adaptada, é preciso que haja uma boa neurogênese, migração e seleção dos neurônios adequados, conexões sinápticas corretas e neuroplasticidade. O conhecimento sobre os problemas moleculares que acarretam no arranjo dinâmico dos neurônios e na neurotransmissão pode explicar características de personalidade, aptidões, diferenças de gênero, de inteligência, de memória, habilidades motoras e doenças.
Os gêmeos univitelinos, que possuem o mesmo genoma, devem creditar suas similaridades à genética e suas diferenças aos fatores ambientais. Tomemos como exemplo uma doença mental como a esquizofrenia. Sua incidência na população geral, independentemente da cultura, da geografia ou de época, é de 1%. Nos parentes de 1º grau de esquizofrênicos a incidência ultrapassa os 15% e no caso dos gêmeos monozigóticos vai além de 50%. Estes dados comprovam a importância da genética e também dos fatores ambientais na gênese da doença e, por dedução, nos comportamentos.
A experiência pode produzir alterações duradouras nas conexões neurais através de modificações da expressão dos genes e, por conseguinte, nos padrões de comportamento. Todo processo mental é biológico e as alterações destes processos são, necessariamente, orgânicas.
Existem evidências de que a predisposição para as doenças mentais é herdada em maior ou menor escala. Um DNA anormal pode emitir ordens para uma transcrição de um RNA anormal, resultando na síntese de proteínas anormais e toda a cascata de eventos pertinente a isto, como seleções, migração e conexões neuronais anômalas. No entanto, para que haja a eclosão da doença, é mandatório que um fator estressor ambiental suficientemente significativo venha desencadear a morbidade. Ou seja, um equipamento genético forte resite aos estressores mais poderosos, enquanto um genoma mais debilitado torna o indivíduo suscetível à doença mesmo com estressores fracos.
Estudos recentes vêm demonstrando fartamente que a principal modificação induzida pelo aprendizado é a formação de novas sinapses. A capacidade plástica dos neurônios faz com que, em condições favoráveis, possam fazer cerca de 1000 conexões em média cada um, perfazendo um total de 100 trilhões de conexões no sistema nervoso central. Estas sinapses são feitas e desfeitas dinâmicamente, conforme a demanda. Determinadas situações vitais podem abrir ou fechar circuitos neurais propiciando memórias implícitas ou explícitas.
Cada indivíduo se desenvolve num ambiente peculiar, exposto a diversas combinações de estímulos externos e internos e, embora mantendo as características básicas pertinentes à espécie, cada cérebro é singular e único. O patrimônio genético, somado às influências ambientais resulta na individualidade inimitável de cada ser humano.
A eficácia das psicoterapias repousa em sua capacidade de produzir, atuando nas rotas neuronais provenientes do córtex pré-frontal, alterações na expressão gênica, proporcionando modificações funcionais e mesmo estruturais no SNC, o que significa que não atuam num nível apenas abstrato nem sejam isentas de riscos. Da mesma forma, os tratamentos farmacológicos, atuando nas rotas neuronais provenientes da rafe, locus coeruleus, etc., induzem modificações na expressão genética, não sendo meros estimuladores ou inibidores do SNC. O ideal é que a farmacoterapia e a psicoterapia possam ser complementares e sinérgicas.


Marcos Gebara

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Neuroimagem

Desde seu surgimento, na década de 80, quando as técnicas de neuroimagem permitiram uma visualização mais acurada do encéfalo, os psiquiatras, associados aos neurorradiologistas vêm tentando estabelecer padrões que subsidiem o diagnóstico e o acompanhamento da evolução e do tratamento das doenças mentais. Inicialmente, a Tomografia Computadorizada do Crânio não trouxe um grande auxílio no intuito supramencionado. Na década de 90, começaram a surgir métodos mais sofisticados.
A Ressonância Magnética Estrutural, a princípio com aparelhos de baixa capacidade, já revelava alguns dados que, embora não patognomônicos, mostravam-se extremamente freqüentes nestas entidades nosológicas. Podemos citar o aumento ventricular, o alargamento de sulcos, o “cavum” do septo pelúcido e a atrofia hipocampal e amigdaliana como os mais encontradiços.
Anos mais tarde, com o advento das tecnologias funcionais, acrescentaram-se mais elementos úteis para o melhor entendimento das doenças. A Tomografia por Emissão de Fóton Único (SPECT) permite, através do tracejamento de contraste radioativo, estudar com detalhes e em vários cortes o fluxo sanguíneo cerebral, obtendo também informações indiretas a respeito do metabolismo. Na maioria dos transtornos mentais é possível observar áreas de hipofluxo, principalmente frontotemporais. A Tomografia por emissão de Pósitrons (PET) é ainda mais sensível, possibilitando o estudo do metabolismo, captando o consumo de glicose marcada radioativamente e, traçando radiofármacos, expõe as propriedades e funções dos receptores de diversos neurotransmissores envolvidos nos referidos transtornos. No final da década, a engenharia médica produziu aparelhos de Ressonância Magnética com capacidade superior a 1.5 Tesla, o que permitiu aos pesquisadores, através de uma técnica não invasiva, pela simples captação do retorno do sinal emitido, criar os Mapas de Perfusão sanguínea que analisa a chegada dos nutrientes e do oxigênio nas diversas regiões do cérebro e a Espectroscopia de Prótons, que consiste num verdadeiro “mapeamento químico”, utilizando tecnologia de voxel único que estuda pequenas áreas específicas e multivoxel, que abrange áreas mais extensas na percepção da presença de substâncias marcadoras do funcionamento neuronal. Alterações na relação entre o N-Acetil-Aspartato e a Creatina (NAA-CR), entre a Colina e a Creatina (CO/CR), Mioinositol e Creatina (MI/CR), no Glutamato (GLX) em diversas regiões, como a área anterior do giro do cíngulo, lobos frontais, área posterior do giro do cíngulo, áreas hipocampais e amigdalianas, núcleos da base, córtex pré-frontal e outras já vêm se estabelecendo como características de várias doenças. Adveio em somatório a Ressonância Magnética Funcional de Ativação, que estuda a atividade de determinadas regiões do cérebro, capturando a aceleração metabólica no momento da função, seja motora, seja sensitiva, ou mesmo mental. A partir daí, abriu-se um universo infindável de linhas de pesquisa, aumentando sobremaneira a compreensão da intrincada complexidade que cerca o funcionamento cerebral.
Hoje em dia já é possível, embora não taxativamente, utilizar a Neuroimagem para o diagnóstico e acompanhamento da evolução dos transtornos, e ainda a avaliação de resultados dos tratamentos estabelecidos. Além disso, estes métodos vêm se consolidando como ferramentas indispensáveis para as pesquisas em Neurociências.
Os inúmeros trabalhos já existentes despertam o interesse daqueles que vislumbram na Neuroimagem um poderoso método de exame complementar em Psiquiatria, descortinando a imensa vastidão do campo de pesquisa a ser esquadrinhado.

Marcos Gebara

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Transtorno Bipolar

O transtorno Bipolar é uma doença caracterizada por grandes variações do humor. O indivíduo que padece da doença pode apresentar o humor deprimido, quando os principais sintomas são apatia, desânimo, sensação de fraqueza e incapacidade, falta de prazer na vida, tristeza e, nos casos mais graves, vontade de morrer ou mesmo tentativas de suicídio. No pólo oposto, pode apresentar o humor exaltado, quando os principais sintomas são a aceleração do pensamento, intempestividade, onipotência, falta de limites, euforia, podendo também aparecer irritabilidade, agressividade e comportamento irruptivo. Em ambos os pólos o padecente pode correr riscos, contra si mesmo, quando está deprimido, e contra outras pessoas, quando está em fase maníaca. Habitualmente a doença se apresenta pela alternância destas duas fases, com intervalos de duração variável. Uma outra forma de apresentação acontece quando a depressão e a mania se superpõem, havendo a concomitância de sintomas das duas fases, constituindo o que chamamos de estado misto, muito difícil de tratar.
Os pacientes procuram tratamento principalmente quando deprimidos, pois esta condição lhes causa muito sofrimento, com angústia, queda de rendimento em todos os níveis, prejuízos profissionais, familiares e sociais, tristeza e falta de perspectivas para o futuro. Na fase maníaca, pelo contrário, os pacientes não aceitam o tratamento, sendo trazidos por familiares e circunstantes, devido aos prejuízos que causam a outrem, como gastos imoderados e irresponsáveis, descumprimento de compromissos, condutas inconvenientes, agressões, etc.
Há alguns anos, só se admitia a existência da doença em suas formas mais extremas, quando era denominada psicose maníaco-depressiva. Modernamente, sabe-se que existem gradações do transtorno, formas mais brandas, que denominamos espectro bipolar. Na forma anterior, estudos epidemiológicos acusavam taxas de incidência em torno de 1% da população, enquanto os estudos atuais, que consideram o espectro, apontam para índices cinco vezes maiores. Há indícios convincentes no sentido de que a doença tenha um forte componente hereditário.
As causas do transtorno ainda não são plenamente esclarecidas, mas sabemos que estão envolvidas alterações nos neurotransmissores, como serotonina, noradrenalina, dopamina, glutamato e outros componentes químicos, como a proteína G. Sabemos também que existem alterações da cascata de eventos bioquímicos intracelulares desencadeados pela neurotransmissão, implicando na expressão errônea de gens e seus produtos.
Não há diferença entre os sexos no acometimento pela doença, sendo que as mulheres têm mais tendência à depressão. A eclosão do transtorno pode ocorrer em qualquer etapa da vida, porém é mais freqüente entre o final da adolescência e a meia idade. O diagnóstico de transtorno bipolar em crianças é cada vez mais comum, sendo declinante nos idosos.
Uma boa anamnese e um bom exame psíquico são os pilares fundamentais para o diagnóstico, que é eminentemente clínico, devendo o médico valer-se também de entrevistas com familiares, investigar os antecedentes, ter uma visão ampla do comportamento do paciente em seu contexto de vida.
Hoje em dia, embora ainda não sejam definitivos, já existem alguns exames que podem ajudar o psiquiatra no diagnóstico e no acompanhamento da evolução do tratamento, como técnicas de neuroimagem e laboratoriais.
O tratamento se baseia em substâncias conhecidas como estabilizadores do humor. A mais antiga é o Lítio. Mais recentemente, vêm sendo usados com bons resultados os anticonvulsivantes, como o divalproato e a lamotrigina e os antipsicóticos atípicos, como a olanzapina, a quetiapina e o aripiprazol. Os antidepressivos, quando necessários, devem ser usados em associação com os estabilizadores. Eventualmente, podem ser utilizados também ansiolíticos, como clonazepam, alprazolam, etc.
O psiquiatra é obrigado a observar cuidadosamente o diagnóstico diferencial entre o transtorno bipolar e a depressão recorrente unipolar, pois esta é tratada mandatóriamente com antidepressivos que não devem ser usados isoladamente no paciente bipolar, sob pena de induzir viradas maníacas, estados mistos e ciclagens rápidas, que significam uma evolução maligna para a doença bipolar.
Quando bem tratados, os pacientes bipolares têm grande chance de ter uma vida normal e produtiva, enquanto os não tratados tenderão ao agravamento das crises.
Marcos Gebara

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Porque não tornar realidade?

As neurociências vêm incorporando à psiquiatria sofisticados recursos para o diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais. Porém, o custo ainda é elevado. No entanto, qualquer estudo de Farmacoeconomia demonstrará fartamente que vale a pena investir na modernidade, visto que a utilização racional dos melhores recursos disponíveis baixa sobremaneira os custos diretos e indiretos, diminuindo em porcentual majoritário o impacto causado pela doença. Desafortunadamente, na prática, o acesso à tecnologia de ponta fica restrito a uma privilegiada minoria mais abastada. Na clínica privada, onde os usuários via de regra possuem melhor nível socioeconômico e cultural, podemos conseguir rapidamente resultados de exames sofisticados, receitar remédios caros, interagir com colegas de outras especialidades e, quando se torna necessária uma internação, os doentes são removidos por serviços especializados para clínicas pequenas e bem estruturadas, onde o tempo médio de permanência é baixíssimo, atendendo episódios agudos e prontamente devolvendo o indivíduo ao convívio familiar e social. Para as elites, a “Reforma Psiquiátrica” já foi feita há muito tempo. A “desospitalização” decorreu simplesmente da pressão econômica, visto que as diárias das clínicas particulares são dispendiosas e os pacientes podem continuar seus tratamentos nos consultórios, desde que medicados adequadamente, incluindo-se psicoterapias. O resultado é a reintegração social e a volta ao trabalho. As famílias, recebendo os pacientes em condições favoráveis, preferem tê-los em suas casas, custeando somente a medicação e as consultas. Mantendo-se o tratamento de forma regular e ininterrupta, caem muito as chances de recaídas, elevando-se a “qualidade de vida”.
No Serviço Público, que atende as classes mais pobres, tristemente constatamos uma realidade inteiramente oposta. Filas nos ambulatórios, instalações inadequadas, hospitais obsoletos, alternativas insuficientes para os mesmos, falta de medicamentos, nenhum acesso a recursos tecnológicos, ações incoordenadas entre as equipes, baixo comprometimento, desorganização, desperdício de recursos humanos e financeiros. O resultado é um alto índice de recaídas, hospitalizações repetidas e prolongadas, rejeição pelas famílias e a cronificação, caindo vertiginosamente a “qualidade de vida”. O custo para a sociedade será muito mais alto. Não é possível promover a desospitalização por decreto. É imperioso criar estruturas mais ágeis, oferecer medicamentos de melhor qualidade, modernizar equipamentos, coordenar ações, elaborar programas de atualização continuada, realizar trabalhos de psicoeducação junto às comunidades e, principalmente, pautar as condutas em princípios cientificamente comprovados. O investimento inicial não será tão grande, propiciando uma economia monumental.
Uma medida facilmente exeqüível e de baixo custo seria municiar as equipes de emergência dos hospitais públicos com Psiquiatras, assim como executar o atendimento pré-hospitalar das emergências psiquiátricas por equipes treinadas para tal, evitando que continue dependendo da boa vontade dos Bombeiros ou, eventualmente, da truculência (bem intencionada) da Polícia. Frequentemente, pacientes são contidos por familiares ou circunstantes e conduzidos de forma inteiramente atabalhoada aos Hospitais.
Um bom atendimento ambulatorial evita sobremodo as internações. Desta forma, estaremos dando os primeiros passos para proporcionar assistência de qualidade àqueles que não possuem recursos nem para pagar a passagem de ônibus que os levaria às consultas, quanto mais para comprar medicamentos.
Um elemento facilitador é o “Prontuário Informatizado”, de forma que qualquer Serviço possa levantar prontamente todas as informações prévias a respeito do usuário, evitando a repetição de condutas e o desperdício de tempo e dinheiro. Qualquer Seguradora de Saúde dispõe de tal sistema. Por que não o Estado?
Importantíssima também é a desestigmatização da Eletroconvulsoterapia, cuja eficácia e segurança estão sobejamente demonstradas em inúmeros estudos. Não é possível que nosso Estado se coloque na contramão da história, relegando esta moderna e eficiente ferramenta terapêutica ao descaso por puro preconceito e desinformação.


Marcos Gebara

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

JUNG e NEUROBIOLOGIA

No início do século passado, quando Carl Gustav Jung formulou suas teorias sobre arquétipos e inconsciente coletivo, não poderia supor que, quase cem anos depois, elementos da moderna neurobiologia emprestariam fundamento às suas idéias. Naquela época, a partir da observação das manifestações delirantes e alucinatórias dos pacientes do Hospital Burghozli, na Basiléia, onde era assistente de Eugen Bleuler, notou que os temas e imagens dos sintomas psicopatológicos tinham enorme semelhança com temas míticos de todas as culturas de todas as fases temporais da humanidade. A partir de então, passou a estudar profundamente mitologia, antropologia, sociologia, literatura, etc. Percebeu que o desenvolvimento psíquico obedecia padrões também encontradiços na evolução das culturas e que havia, no que concerne ao modo de funcionar psiquicamente, um traço comum a todos os seres humanos, um fio diretor, um padrão organizador da consciência individual e coletiva.
No presente artigo, tentarei, de forma bastante sucinta, estabelecer correlações entre as idéias do grande psiquiatra suíço e alguns modernos estudos de neurociência.

Introdução Neurobiológica

A partir dos gametas, as células sexuais, que carregam 23 pares de cromossomos que contém toda a herança genética dos pais, forma-se o zigoto, ou óvulo fecundado, com 46 pares de cromossomos. A contínua divisão deste, vai formar os mais diferentes e especializados tecidos, aparelhos e sistemas que vão constituir esta maravilhosa e complexa “máquina” que é o ser humano. Quando enfocamos a parte somática, fica extremamente fácil entendermos a herança genética. Afinal todos temos olhos e narizes que são muito parecidos mas nunca iguais. Obedecemos um padrão de formação de nossos fenótipos, o que nos caracteriza como espécie, embora guardemos uma singularidade que nos faz únicos. Da mesma forma se comporta o psiquismo. Herdamos, como espécie, um modo de desenvolvimento comum a todos, herdamos potenciais para funcionar, porém cada um de nós constitui um universo psíquico singular.
Na diferenciação celular, a placa embrionária externa invaginar-se-á, formando o tubo neural, que será a base para a formação do sistema nervoso central. No centro do tubo, logo nas primeiras semanas da vida embrionária, inicia-se a neurogênese ou formação de neurônios, cujo crescimento máximo ocorre em torno da 20ª semana e praticamente se completa no 6º mês da vida pré-natal, prolongando-se por toda a vida, embora de forma muito menos intensa e em áreas específicas, como os hipocampos. Da 4ª semana até o nascimento, acontece um intenso movimento de migração neuronal. Os neurônios recém-formados viajam longas distâncias e enviam seus axônios e dendritos para ocuparem os lugares certos nas seqüências certas. Há uma inacreditável convocação química para orientar este processo.
As neurotrofinas são substâncias que protegem e orientam a migração e fixação e também selecionam os neurônios. A 60 milionésimos de metro por hora eles viajam para seus destinos apropriados, fixam-se e enviam seus axônios e dentritos para conectar outros neurônios. As neurotrofinas vão atraindo ou repelindo os cones terminais crescentes até que o destino final (velcro molecular) seja atingido. A “pavimentação” da estrada é feita pelas células gliais. A grande “tarefa” é formar sinapses que durante toda a vida serão revistas, feitas e desfeitas, conforme a demanda do cérebro. A sinaptogênese perdura por toda a vida, assim como a mielinização e as ramificações (arborização). Obviamente a arborização neuronal é muito mais intensa até o final da adolescência, quando o cérebro, já maduro, necessita maior estabilidade.
O SNC (sistema nervoso central) tem cerca de 100 bilhões de neurônios, faz mais de 100 trilhões de sinapses e, em alguns casos, 10000 sinapses individuais para cada neurônio. 90% dos neurônios formados durante a vida fetal cometem “suicídio apoptótico” após o nascimento. De 1 trilhão ficam apenas 100 bilhões mais adaptados e funcionais, por eliminação competitiva, devido a um processo pré-programado denominado “Morte Celular Programada”. Por volta dos 5 a 6 anos de idade, existem mais sinapses que em qualquer outro período da vida. Até o final da adolescência o cérebro “remove” (Poda das Conexões Sinápticas) metade das conexões existentes. A seleção adequada leva à maturação saudável, enquanto seleções ruins vão propiciar transtornos psicopatológicos. Alterações na sinaptogênese podem proporcionar o substrato para o aprendizado, a maturidade emocional e o desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras durante a vida. O “exercício mental é importante para a manutenção da plasticidade (por maior demanda de fatores neurotróficos). A inatividade pode resultar na “poda de sinapses enferrujadas”.
Todo este processo de “arquitetura” cerebral vai implicar, necessariamente, para seu funcionamento, na Neurotransmissão, que pode ocorrer por contigüidade como se fosse um complexo diagrama de “fios” enviando impulsos para suas conexões. O impulso elétrico do 1º neurônio se transforma em químico na sinapse através do neurotransmissor, e volta a ser elétrico nos receptores do 2º neurônio. Pode ocorrer também por volume ou difusão, quando os neurotransmissores difundem-se para locais distantes da sinapse (em outros receptores compatíveis) por “baforadas” químicas num determinado raio de ação.
Quando analisamos o aspecto temporal, observamos que existem sinais de início rápido que alteram em milissegundo o fluxo de íons. Tomaremos como exemplos o Glutamato que é um neurotransmissor excitatório e o GABA que é inibitório. Os sinais de início lento desencadeiam cascatas bioquímicas que podem durar horas ou dias (serotonina, noradrenalina, dopamina).
Sob a ótica da função constatamos eventos pré-sinápticos, onde o DNA comanda, através do RNAm, a síntese de proteínas (fabricação de neurotransmissores, enzimas, etc) e a abertura e/ou fechamento de canais iônicos e, consequentemente, eventos pós-sínápticos. Sendo liberado, o neurotransmissor procura seus sítios-alvo (receptores) e desencadeia uma “cascata” de eventos bioquímicos que vão “ligar ou desligar” genes que por sua vez vão sintetizar novas proteínas. O DNA também pode “ordenar” a destruição das proteínas.
O DNA contém todas as informações necessárias para mediar a formação, o fortalecimento ou a desconexão de sinapses, rápido crescimento e movimentação de axônios e dendritos. Alterações na expressão gênica levam a modificação nas conexões e nas funções neuronais. Portanto, os genes podem modificar o comportamento. Toda ocorrência mental resulta de uma função cerebral. O aprendizado e as experiências ambientais também podem modificar os genes que serão expressos e, por conseguinte as conexões neurais. Os genes modificam o comportamento e o comportamento modifica os genes.
Se o fluxo normal da neurotransmissão leva ao desenvolvimento, maturação e funcionamento cerebral sadios, a neurotransmissão anormal provoca doenças.
O conhecimento sobre os problemas moleculares que acarretam no arranjo dinâmico dos neurônios e na neurotransmissão pode explicar características de personalidade, aptidões, diferenças de gênero, de inteligência, de memória, habilidades motoras e doenças. As hipóteses modernas apontam no sentido de que os genes e seus produtos sejam influenciados por fatores ambientais na gênese da personalidade.


A Visão da Psicologia Analítica

O ser psíquico tem sua base em duas estruturas do SNC que regularão, em sua relação entre si, o funcionamento mental. A grosso modo, o sistema límbico rege a vida instintivo-emocional e a neocórtex rege a vida racional. É importante observar que as amígdalas, responsáveis por todos os “disparos emocionais”, já estão completamente formadas ao nascimento, enquanto que seus “filtros naturais”, os hipocampos, que estruturarão as memórias racionais, só o estarão por volta dos 5-6 anos de idade e o “grande operacionalizador” do psiquismo, o córtex pré-frontal, só vai estar inteiramente pronto na adolescência, o que propicia algumas defasagens interessantes.
O início da vida psíquica é constituído de conteúdos puramente coletivos, pertinentes à espécie. O Inconsciente Coletivo nada mais é do que o conjunto de arquétipos que contém o padrão organizador do desenvolvimento psíquico. Estes potenciais são hereditários, assim como os que regem o desenvolvimento corporal. O arquétipo é, portanto, um conceito genético. É uma predisposição, um potencial para funcionar psiquicamente. O desenvolvimento individual se processa segundo os mesmos padrões da evolução cultural. Os mitos são a expressão cultural do inconsciente coletivo. As figuras mitológicas podem ser entendidas como a própria expressão dos arquétipos, padrões organizadores da consciência individual e cultural.
A grande “tarefa” é formar consciência (ego) sobre 4 pilares fundamentais: o ambiente, o corpo, a própria psique e o social. O ego se estrutura recolhendo dados cada vez mais complexos. A estruturação visa a adaptação à realidade externa, tomando um caminho socialmente aceitável, através da “Persona” (conjunto de papéis estruturados pela tradição cultural). Veicula os símbolos sócio-sintônicos. Os símbolos não assimiláveis (sobrecarregantes ou sócio-distônicos) vão constituir o inconsciente pessoal ou “sombra”. Depois de percorrido o caminho da estruturação, onde se afastava cada vez mais do inconsciente, o ego tende a novamente aproximar-se deste, no sentido de exercer sua criatividade e consolidar sua individualidade.Todo o caminho da consciência, iniciado no nascimento e terminado na morte, é denominado Processo de Individuação, que compreende fases evolutivas (dinamismos arquetípicos), que constatamos serem as mesmas ocorridas na evolução cultural.

Os Dinamismos Arquetípicos

O Dinamismo Urobórico é regido diretamente pelo arquétipo central, caos primordial, vivência unitária, onde praticamente não há consciência.
O Dinamismo Matriarcal é regido pelo arquétipo da “Grande Mãe”, consciência lunar, princípios da natureza, fertilidade, nutrição e prazer.
O Dinamismo Patriarcal é regido pelo arquétipo do “Grande Pai”, consciência solar, princípios do espírito, organização e da lei.
O Dinamismo da Adolescência é regido pelo arquétipo do “Herói”, conflito entre os arquétipos parentais e os de “Anima e Animus”.
O Dinamismo de Alteridade é regido pelos arquétipos de “Anima e Animus” e “Conjunctio”, princípios de igualdade e interação criativa dos opostos.
O Dinamismo Cósmico é regido pelo arquétipo do “Velho Sábio” (arquétipo central), princípios da sabedoria e busca do significado para todo o processo.
Os dinamismos, apesar de evolutivos, não se excluem, continuando sua função estruturante. Ocorre apenas a troca da regência arquetípica.
Símbolo Estruturante

Toda vivência externa ou interna é experimentada de forma simbólica e serve ao propósito de estruturar a consciência. A capacidade de integrar o símbolo à consciência e discriminá-lo adequadamente confere à personalidade um funcionamento sadio. Se não há condição de assimilação saudável, o símbolo é envolto por mecanismos de defesa, permanecendo inconsciente e formando a “Sombra Patológica”, causadora de sintomas psicopatológicos, atuações, atos falhos, etc. A “Sombra Patológica” resulta de uma impermeabilização do eixo Ego-Self (altos níveis de cortisol aumentam a atividade da amígdala e diminuem a do hipocampo).
Os sintomas são a expressão da ação da “Sombra Patológica” sobre a personalidade, através dos mecanismos de defesa (projeção, negação, repressão, racionalização, deslocamento, etc., além das defesas psicóticas). O “EGO” regride aos pontos de fixação. Quanto mais arcaicos, mais graves os sintomas. As defesas, embora resultem numa conduta precária, protegem o EGO do colapso ou da fragmentação.
A partir da farmacoterapia e da psicoterapia, velhas memórias implícitas (inconscientes) podem ser reformuladas pela criação de novas rotas neuronais. As vias neuronais provenientes do córtex pré-frontal e do núcleo da rafe tem um efeito moderador sobre a amígdala excitada. A psicoterapia opera, provavelmente, através do córtex pré-frontal, e os medicamentos via rafe, promovendo neuroplasticidade com aumento de fluxo e metabolismo, comprovados pela neuroimagem. A natureza regressiva da relação transferencial permite o acesso e a ação da palavra sobre as memórias implícitas emocionais (amigdalianas).
Estudos recentes demonstram que medicamentos antipsicóticos, estabilizadores do humor, antidepressivos e ansiolíticos, além de suas ações específicas, possuem efeito neuroprotetor, evitando a neurotoxicidade que leva à atrofia e degeneração neuronal promovidas pelo estresse crônico. Os tratamentos mais eficazes, os que propiciam maior neuroplasticidade, em menor tempo, são os que combinam farmacoterapia e psicoterapia.
Os símbolos provenientes do inconsciente coletivo possuem uma extraordinária carga desintegrativa, mas por outro lado, são a fonte de toda a criatividade humana.


Marcos Gebara

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Resumo da Declaração de Consenso da WPA sobre Eletroconvulsoterapia

Uma das ocorrências mais importantes do Congresso Mundial de Psiquiatria ocorrido no Cairo em 2005 foi a divulgação, na Assembléia de Delegados, de um documento intitulado “Declaração de Consenso Sobre o Uso e Segurança da Eletroconvulsoterapia”, produzido pela Seção de Psiquiatria Biológica da WPA e que deverá pautar todos os “guidelines” das Associações afiliadas pelo mundo. Resumidamente, diz o seguinte:A Eletroconvulsoterapia (ECT) é um importante, porém controverso tratamento para alguns subgrupos de indivíduos padecentes de graves doenças mentais. Basicamente, abrange as depressões graves, estados de mania, catatonia e, ocasionalmente, esquizofrenia. Dependendo das comorbidades, pode constituir um procedimento de risco variável. Deve ser aplicado, de preferência, com o expresso consentimento do paciente ou responsável legal, num ambiente adequado às novas normas de administração.O objetivo desta Declaração é evidenciar a eficácia e segurança da ECT e prover elementos e recomendações para otimizar sua prática.Nos transtornos depressivos graves, a ECT é largamente considerada o mais efetivo método de tratamento, quando comparada a qualquer outra modalidade, mesmo ao amplo espectro de opções farmacológicas, sendo particularmente indicada na presença de sintomas psicóticos delirantes ou catatônicos e, principalmente, risco iminente de suicídio. Desde sua introdução, na década de 30, vem angariando importantes progressos, como o uso de anestesia e relaxamento muscular, no sentido de aumentar sua segurança e tolerabilidade. O ressurgimento da ECT nos Estados Unidos, nos anos 70, foi marcado por uma grande “resistência” ao tratamento, insuflada por uma falsa imagem de barbárie e coerção. Em contrapartida, a ciência mostrava cada vez mais sua importância, e propunha modernos recursos para sua aplicação. Foram produzidos, pelas grandes Associações da Especialidade, diversos algoritmos para humanizar seu uso.O tratamento é categorizado por uma fase aguda para induzir a remissão dos sintomas, cobrindo um período de 6 a 8 semanas, uma fase de continuação, correspondente às subseqüentes 16 a 20 semanas, no sentido de manter a remissão (evitando recaídas) e atingir a plena recuperação, e uma fase de manutenção, visando prevenir as recorrências, de duração flexível, dependendo de critério médico e considerando a virulência previa do transtorno. A boa prática repousa ainda num correto diagnóstico e minuciosa avaliação de riscos que o paciente possa infligir a si próprio ou a circunjacentes. O expresso consentimento do paciente ou responsável legal deve ser a regra, excetuando condições extremas onde o procedimento seja necessário para salvar vidas ou evitar rápida deterioração física ou mental. Pode ser importante, em determinadas circunstâncias, que a decisão parta de “juntas médicas” constituídas.Um importante subsídio para estabelecer as bases da ECT em evidências foi uma recente e sistemática metanálise dos estudos randomizados controlados e observacionais feita pelo UK ECT Rewiew Group que reportou os seguintes achados:1) Estudos comparando aplicações efetivas de ECT versus aplicações simuladas demonstraram ampla margem de significância estatística em favor das primeiras.2) Estudos comparando ECT e farmacoterapia resultaram significativamente favoráveis à ECT, além de evidenciar a menor incidência de sintomas de descontinuação no grupo que recebeu esta terapêutica.3) A aplicação bilateral demonstrou ser superior à unilateral, porém pode provocar mais efeitos cognitivos adversos, principalmente prejuízo da memória anterógrada, mais encontradiços na primeira semana após o término da fase randomizada dos estudos, diminuindo sobremodo a longo prazo.4) ECT em procedimentos administrados de uma a três vezes por semana foi eficaz não sendo eliciada diferença significativa entre as três maneiras e não houve diferença quanto aos sintomas de descontinuação. No entanto, freqüências superiores podem levar a maiores prejuízos cognitivos.5) As doses mais altas do estímulo elétrico implicaram em melhores resultados quanto à melhora dos sintomas, mas também produziram mais efeitos adversos.6) As aplicações utilizando pulso breve e onda quadrada demonstraram largamente ser mais eficazes e produziram menores efeitos adversos.Outros importantes subsídios foram a recente Cochrane Rewiew, que evidenciou a superioridade da ECT em deprimidos idosos e a NICE Rewiew, com 90 estudos randomizados controlados, que reforçou os dados supramencionados e acrescentou que doses mais altas do estímulo elétrico unilateral no hemisfério dominante podem assemelhar-se, em termos de eficácia, às aplicações bilaterais, às custas de aumento na ocorrência de efeitos cognitivos adversos que não devem durar mais que seis meses após o término do tratamento. Estudos de neuroimagem não demonstraram qualquer indício de que ECT possa causar destruição neuronal. Altas taxas de recaídas foram relatadas após a remissão completa dos sintomas com ECT, sendo que estas foram enormemente reduzidas com a introdução de farmacoterapia na fase de continuação, conforme estudos de Sackheim.Na Esquizofrenia, a Cochrane Rewiew, a NICE Rewiew e estudos de Suzuki, Tang, Ungvari e Sackheim evidenciaram a superioridade da farmacoterapia antipsicótica quando comparada à ECT (excetuando os estados de agitação psicomotora agudos e estuporosos relativos à catatonia), mas enfatizaram a eficácia da ECT demonstrando benefícios clínicos significativos e como as variações na administração da terapêutica influenciaram a evolução. Poucos pacientes deixaram de se beneficiar com ECT (aplicações efetivas), obtendo melhora dos sintomas e menores índices de recaídas quando comparados aos que receberam aplicações simuladas. A associação de ECT com farmacoterapia nas fases de continuação e manutenção foi superior ao uso de fármacos isoladamente, mas também aumentou as taxas de prejuízos cognitivos.Os estudos demonstraram fartamente que a ECT pode ser muito valiosa no rápido controle de estados maníacos graves e também no tratamento de manutenção dos Transtornos Bipolares refratários, cicladores rápidos e estados mistos.A ECT pode ser considerada uma poderosa arma no tratamento de grande parte das emergências psiquiátricas, assim como pode ser decisiva para salvar vidas para certos casos de Síndrome Neuroléptica Maligna, mormente os que não respodem à farmacorterapia específica. ECT tem demonstrado, ainda, ser de grande valia em alguns casos de TOC, demência e Parkinson. Cabe ressaltar o bom uso de ECT em condições especiais, como gravidez, idosos e crianças, sempre obedecendo criteriosos cuidados.Quanto aos riscos, a mortalidade associada à ECT é menor do que aquela associada aos procedimentos menores de anestesia geral, ou seja, 1/ 100000, sendo exclusivamente devida a complicações cardíacas.Não há contraindicações absolutas ao uso de ECT, porém deve ser evitado em condições como tumores e infarto cerebrais, arritmias cardíacas graves, portadores de marca-passos, aneurismas, descolamentos de retina, infarto do miocárdio e feocromocitoma.Nos tempos hodiernos não se justifica a prática da ECT sem anestesia, relaxamento muscular, ventilação, além do uso de medicamentos como atropina para prevenir bradicardia vagotônica, succinilcolina como relaxante muscular, e pentotal ou etomidato como hipnóticos.A freqüência recomendada das aplicações varia de 6 a 12 para o tratamento da Depressão, enquanto na Mania o número pode ser superior a 16 sempre divididos em duas ou três vezes por semana. A continuação pode ser semanal e a manutenção quinzenal ou mensal. A dosagem do estímulo elétrico, com eletrodos bilaterais, em pulso breve e onda quadrada, deve estar regulada em cerca de duas vezes a do limiar convulsivo.A observação da convulsão pode ser obtida pela maioria dos aparelhos modernos, capazes de monitorizar o EEG. Quando isto não for viável, o simples garroteamento da extremidade de um membro pode evidenciar as contrações. Há muita controvérsia sobre a administração simultânea de ECT e psicotrópicos, mas a maioria dos estudos compactua do consenso de que devem ser evitados, quando possível, apenas aqueles medicamentos que têm ação de antagonismo como benzodiazepínicos e barbitúricos. Os algoritmos, de forma geral, recomendam o uso concomitante de antidepressivos e antipsicóticos, especialmente nas fases de continuação e manutenção.Concluindo, mesmo depois de 70 anos, a ECT é um valioso recurso terapêutico para diversas condições psicopatológicas, além de ser um método seguro e bem tolerado. Considerando suas futuras perspectivas, são de alta prioridade o melhor conhecimento de seu mecanismo de ação, assim como estudos mais detalhados nas fases continuação e manutenção. Levando em conta sua inquestionável validade, faz-se mister um esforço das Associações afiliadas à WPA no sentido de conscientização pública, visando desestigmatizar a ECT.
Marcos Gebara

Globalização e Psiquiatria

A primeira década do Século 21 já está se foi. A Humanidade está experimentando uma vertiginosa aceleração histórica. As informações estão muito mais rápidas, as transformações tecnológicas nos mais diversos setores da ciência se apresentam em curva exponencial de crescimento, a comunicação se faz em tempo real, mesmo entre os mais recônditos lugarejos do planeta. Já não é possível, para um cérebro que não se modificou muito em relação aos primeiros “homo sapiens” que viveram há cerca de cinqüenta mil anos, dar conta de tantos estímulos. O mundo ficou muito mais complexo. O conhecimento se entrelaça de tal forma que exige abordagens multilaterais e, ao mesmo tempo, compele o indivíduo a uma superespecialização por vezes alienante.Na globalização, as fronteiras tradicionais que delimitavam culturas diferentes desapareceram. As facilidades tecnológicas, o poder do conhecimento instantâneo, a possibilidade de reunir pessoas que estão em diferentes continentes pela internet e outras inúmeras maravilhas da modernidade, prometiam uma democratização do conhecimento, e, por conseguinte, do poder. No entanto, o que se vem observando é o aumento geométrico do abismo que separa a minoria que tem acesso à informação e ao dinheiro, daquela maioria atrasada, ignorante, pobre, mal nutrida e doente. Formaram-se grandes empresas supranacionais, mais poderosas que os estados e que lhes usurpam o espaço. Aproximadamente trezentos e cinqüenta pessoas, os controladores das referidas corporações, manipulam metade do PIB mundial. As três pessoas mais ricas do mundo têm um orçamento superior à soma dos orçamentos dos quarenta e oito países mais pobres. Somente um por cento da população mundial possui nível superior de educação ou mesmo um computador. Seis por cento detêm metade dos bens de consumo, enquanto oitenta por cento vivem na pobreza, sendo que cinqüenta por cento na mais absoluta miséria. Dois bilhões de pessoas são “desmonetizadas”, ou seja, não têm contato com o dinheiro. Quarenta mil crianças morrem diariamente por desnutrição. A globalização falhou clamorosamente no intuito de distribuir riqueza, tendo, na verdade, promovido uma grande concentração de renda, além de uma perversa massificação, difundido, via televisão, um modo padronizado de ser, que vai sendo aos poucos inculcado no imaginário coletivo, inatingível para a grande maioria da população.Presenciaremos, num futuro não tão remoto, a dissociação total da espécie? Uma separação tão profunda que impedirá a comunicação pela disparidade dos códigos lingüísticos e mesmo de pensamento? Um pequeno grupo dominante de um lado e hordas desvalidas de outro? Já vivemos, em nosso meio, uma velada “guerra civil”, onde o Estado legalmente constituído já não tem controle sobre o aumento da criminalidade, da corrupção, da violência, das drogas, da degeneração dos serviços públicos e outros males que assolam os países chamados “em desenvolvimento”.Fica difícil, diante desta realidade avassaladora, desta dicotomia social esquizofrenizante, não “enlouquecer”. Os fatores estressores que incidem sobre os indivíduos mais propensos a desenvolver transtornos mentais estão inquestionavelmente aumentados. Apesar da reconhecida importância do componente genético, a prevalência de transtornos psiquiátricos está intimamente relacionada às condições econômicas, sociais e culturais.Nós, médicos, somos testemunhas permanentes destas realidades tão distintas. Na clínica particular os pacientes têm acesso a medicamentos caros e à tecnologia de ponta. Já no serviço público, vivemos uma catastrófica situação. Além da total degradação dos serviços decorrente do interminável encolhimento dos recursos destinados à saúde, sabemos que os pacientes nem chegam aos hospitais e ambulatórios por não disporem de dinheiro para a passagem de ônibus, quanto mais para comprarmedicamentos.A saúde mental pode ser definida como um estado de bem estar no qual o indivíduo reconhece e exerce suas capacidades, está apto para lidar com o stress normal da vida, trabalhar produtivamente e, de forma profícua, contribuir para a melhoria de sua comunidade. Portanto, não basta que nós, psiquiatras tentemos, idealísticamente, promover uma assistência mais eqüitativa, de melhor qualidade, mais humana. É preciso que nos engajemos no sentido de pressionar nossas autoridades, que fingem prestar serviços à população, no sentido de que sejam disponibilizados os melhores recursos que a ciência proporciona, além de lutar por maior justiça social. Não é mais possível aceitarmos passivamente que se desperdice tantos recursos por falta de planejamento, coordenação, incompetência administrativa e corrupção. A decência impõe que exijamos a possibilidade de praticar uma medicina cientificamente comprovada, responsável, ética, segura para os pacientes e para nós.

Marcos Gebara

Colaboração (sugestões) para a melhoria da Rede de assistência ao paciente portador de Transtorno Mental no Estado do Rio de Janeiro

O surgimento dos tratamentos efetivos (não considerando aqui a Psicanálise) para as doenças mentais ocorreu no final da década de trinta, quando Cerletti e Bini introduziram a eletroconvulsoterapia como método terapêutico para depressões graves e estados psicóticos de risco. Desde cedo esta se revelou eficaz, porém seu uso, com o tempo, ficou estigmatizado devido à fealdade dos efeitos que provocava no momento da aplicação e também pelo uso criminoso que lhe foi imposto por certos regimes autoritários. No entanto, foi na década de 50 que surgiram os primeiros medicamentos realmente eficazes como antidepressivos, antipsicóticos, anticonvulsivantes, estabilizadores do humor e ansiolíticos.Portanto, em meados do século passado, quando ocorreu a primeira e verdadeira desospitalização, já existia um arsenal terapêutico considerável para o manuseio dos transtornos mentais. No entanto, os médicos deparavam-se com importantes efeitos colaterais destes medicamentos que, muitas vezes, limitavam sobremodo seu uso. A partir do início dos anos oitenta, começaram a surgir substâncias mais modernas, que proporcionavam muito melhor tolerabilidade, proporcionando a possibilidade de uma utilização muito mais abrangente, beneficiando um número incomensuravelmente mais elevado de pacientes.Atualmente as pesquisas apontam para o conhecimento dos problemas moleculares que acarretam na neurotransmissão anormal, da seleção e migração neuronal, assim como da sinaptogênese, fornecendo bases lógicas para o desenvolvimento de novas terapias. Buscamos novos medicamentos com diferentes mecanismos de ação, terapias genéticas, magnetoestimulação transcraniana, implantação de células tronco e cirurgias estereotáxicas não invasivas. O ECT sob anestesia, monitorizado, com aparelhos computadorizados, recobrou sua dignidade, respaldado pela comprovação científica de sua eficácia e segurança. O acervo de recursos terapêuticos está, por conseguinte, muito ampliado.Nos tempos hodiernos, as técnicas de neuroimagem mais recentes como a Ressonância Magnética Funcional com Espectroscopia e Mapas de Perfusão, Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET), Tomografia por Emissão de Fóton Único (SPECT) o Estudo da Atividade Elétrica Cerebral, exames laboratoriais específicos e Testagens Neuropsicológicas, permitem ao médico “enxergar” de forma ampla o cérebro e seu funcionamento, facilitando imensamente o diagnóstico e o acompanhamento da evolução do tratamento.É inegável que todos estes sofisticados recursos que as neurociências vêm incorporando à medicina, em especial à psiquiatria, têm um custo ainda elevado. No entanto, qualquer estudo bem desenhado de Farmacoeconomia demonstrará fartamente que vale a pena investir na modernidade, visto que a utilização racional dos melhores recursos disponíveis baixa sobremaneira os custos diretos e indiretos decorrentes dos transtornos mentais, diminuindo em porcentual majoritário as internações prolongadas, o absenteísmo ao trabalho, a perda de produtividade e minimizando os impactos pessoais, familiares e sociais causado pela doença. Desafortunadamente, na prática, o acesso à tecnologia de ponta fica restrito a uma privilegiada minoria mais abastada. Na clínica privada, onde os usuários via de regra possuem melhor nível socioeconômico e cultural, podemos conseguir rapidamente os resultados de exames sofisticados, receitar remédios caros, interagir com colegas de outras especialidades e, quando se torna necessária uma internação, em último caso, os doentes são removidos por serviços especializados para clínicas pequenas e bem estruturadas, onde o tempo médio de permanência é baixíssimo, atendendo aos episódios agudos e prontamente devolvendo o indivíduo ao convívio familiar e social quando atingido um nível satisfatório de melhora. Para as elites, a “Reforma Psiquiátrica” já foi feita há muito tempo. A “desospitalização” decorreu simplesmente da pressão econômica, visto que as diárias das clínicas particulares são dispendiosas e os pacientes podem continuar seus tratamentos nos consultórios, desde que medicados adequadamente, incluindo-se psicoterapias e terapias adicionais, quando indicadas. O resultado é a reintegração social, a volta ao trabalho ou ao estudo e o cuidado das famílias que, recebendo os pacientes em condições favoráveis, preferem tê-los em suas casas, custeando somente a medicação e as consultas. Mantendo-se o tratamento de forma regular e ininterrupta, caem muito as chances de recaídas, elevando-se a “qualidade de vida”.No Serviço Público, que atende as classes mais pobres, tristemente constatamos uma realidade inteiramente oposta. Filas quilométricas nos ambulatórios, instalações totalmente inadequadas, hospitais obsoletos e alternativas insuficientes para os mesmos, falta de medicamentos, nenhum acesso a modernos recursos tecnológicos, ações incoordenadas entre as equipes profissionais, baixo comprometimento com o usuário, desorganização, desperdício de recursos humanos e financeiros e muitas outras mazelas. O resultado é um alto índice de recaídas, hospitalizações repetidas e prolongadas, a rejeição pelas famílias, a incapacitação e a cronificação das doenças, caindo vertiginosamente a “qualidade de vida”. No final das contas, o custo para a sociedade vai ser muito mais alto. Não é possível promover a desospitalização apenas por decreto. É imperiosamente necessário investir no profissional de saúde mental, criar estruturas mais ágeis para o atendimento, oferecer de forma regular e ininterrupta medicamentos de melhor qualidade, modernizar equipamentos, integrar e coordenar as ações das equipes, elaborar programas de atualização continuada, realizar trabalhos de psicoeducação junto às comunidades e, principalmente, pautar as condutas em princípios cientificamente comprovados.O investimento inicial não será tão grande e, certamente propiciará uma economia monumental. Primeiramente devemos considerar que existe uma enorme demanda reprimida de pacientes que necessitam, mas não têm acesso a qualquer tipo de atendimento de Saúde Mental. Faz-se mister facilitar o contato entre o usuário potencial e o profissional da área. Uma primeira medida, facilmente exeqüível e de baixo custo seria municiar as equipes de emergência dos diversos hospitais públicos distribuídos pelo Estado com Psiquiatras. Ao menos, que as equipes que trabalham nos Serviços de Emergência assim como os médicos do Programa de Saúde da Família, do Programa Saúde na Escola, etc., pudessem ter um treinamento básico no sentido de identificar, triar e encaminhar um padecente de transtorno mental.Outra medida factível a curto prazo seria acoplar, sem desativar as já existentes que ficariam com casos já triados, Emergências Psiquiátricas aos Hospitais Gerais, garantindo assim um atendimento mais completo e de melhor qualidade. Já temos diversos exemplos de serviços integrados desta forma funcionando muito bem em vários países. Não há sentido que um serviço de Pronto-Socorro Psiquiátrico, onde, via de regra, existe a necessidade da intervenção do Clínico e, muitas vezes, do Intensivista, esteja isolado do Hospital Geral. Ainda nesta linha, é mandatório que o atendimento pré-hospitalar das emergências psiquiátricas seja executado por equipes treinadas para tal, evitando que este importante segmento do atendimento continue dependendo da boa vontade dos Bombeiros ou, eventualmente, da truculência (normalmente bem intencionada) da Polícia. Sabemos ainda, que em inúmeras situações, pacientes são contidos por familiares ou circunstantes e conduzidos de forma inteiramente atabalhoada aos Hospitais.Ainda tratando do curto prazo, salta aos olhos a necessidade imperiosa de reforçar os ambulatórios de Psiquiatria e Psicologia, tanto nos Serviços específicos de Saúde Mental, como nos Hospitais Gerais. Sabemos, fartamente, que um bom atendimento ambulatorial evita sobremaneira as internações, que devem restringir-se às situações de risco ao próprio paciente ou a outrem, desde que possam ser mantidas a continuidade e regularidade no tratamento. Se tivermos uma rede ambulatorial bem distribuída geograficamente, bem equipada, com profissionais comprometidos, e, principalmente, uma boa dispensação de medicamentos, estaremos dando os primeiros bons passos para proporcionar assistência de qualidade àqueles que não possuem recursos nem para pagar a passagem de ônibus que os levaria ao ambulatório, quanto mais para comprar medicamentos. Ambulatórios públicos podem muito bem funcionar com consultas marcadas periodicamente, controladas, de forma que nem o fluxo do atendimento nem a distribuição de medicamentos sejam interrompidos.Um elemento facilitador de suma importância é o “Prontuário Informatizado”, de forma que qualquer Serviço do Estado procurado por um usuário possa levantar prontamente todas as informações prévias a respeito do mesmo, evitando a repetição de condutas e o desperdício de tempo e dinheiro. Qualquer Banco ou Seguradora de Saúde dispõe de tal sistema. Por que não o Estado?A médio prazo, seria extremamente útil que todas as Unidades de Saúde do Estado e dos Municípios dispusessem de uma estrutura ambulatorial adequadamente dimensionada capaz de absorver a demanda pelo atendimento em Saúde Mental, sendo que aquelas que se destinam às internações Clínicas, também pudessem dispor de pequenas Unidades Psiquiátricas, destinadas às curtíssimas internações para a remissão de quadros agudos. Se utilizarmos com racionalidade e coordenação os meios já disponíveis no Estado, será possível implantar, gradativamente, em larga escala, um sistema eficiente.Em suma, todos os segmentos do atendimento básico ao padecente de transtorno mental deveria estar acoplado às estruturas gerais de atendimento clínico, deixando o Hospital Psiquiátrico, que deve ser moderno, bem equipado, racionalmente dimensionado e bem cuidado, como último ponto da cadeia do sistema, destinando-se aos casos de maior complexidade, quando forem esgotados todos os recursos das etapas anteriores. Neste local, o Estado tem a obrigação de proporcionar aos cidadãos os melhores recursos de que a ciência é capaz de prover, como tecnologia de ponta para diagnóstico e avaliação da terapêutica, farmacoterapia de última geração, psicoterapias, reabilitação, etc.Importantíssima também é a desestigmatização da Eletroconvulsoterapia. Está sobejamente demonstrado em inúmeros estudos, inclusive publicados pela OMS, que a ECT constitui o método mais seguro e eficaz para o tratamento de alguns quadros psiquiátricos agudos específicos, como estupores catatônicos ou depressivos, depressão grave com risco iminente de suicídio, furor catatônico e outros, salvando muitas vidas quando bem indicada e aplicada em condições adequadas. As modernas exigências da WPA apontam no sentido de que a ECT seja efetuada sob anestesia e assistência ventilatória, com monitorização de EEG, ECG e oximetria, utilizando aparelhos de pulso breve e onda quadrada. Não é possível que nosso Estado se coloque na contramão da história, relegando esta moderna e eficiente ferramenta terapêutica ao descaso por puro preconceito e desinformação.Numa visão de mais longo prazo, poder-se-ia pensar na criação de Hospitais-Dia, Hospitais-Noite, Oficinas Terapêuticas, Residências Terapêuticas, Programas de Esclarecimento à População e, especialmente, bons Programa Permanentes de Educação Continuada para os Profissionais.
Marcos Gebara

Esquizofrenia e Neuroimagem

Desde seu surgimento, na década de 80, quando as técnicas de neuroimagem permitiram uma visualização mais acurada do encéfalo, os psiquiatras, associados aos neurorradiologistas vêm tentando estabelecer padrões que subsidiem o diagnóstico e o acompanhamento da evolução e do tratamento da esquizofrenia. Inicialmente, a Tomografia Computadorizada do Crâneo não trouxe nenhum auxílio no intuito supramencionado. Na década de 90, começaram a surgir métodos mais sofisticados.A Ressonância Magnética Estrutural, a princípio com aparelhos de baixa capacidade, já revelava alguns dados que, embora não patognomônicos, mostravam-se extremamente freqüentes nesta entidade nosológica. Podemos citar o aumento ventricular, o alargamento de sulcos, o “cavum” do septo pelúcido e a atrofia hipocampal e amigdaliana como os mais encontradiços.Anos mais tarde, com o advento das tecnologias funcionais, acrescentaram-se mais elementos úteis para o melhor entendimento da doença. A Tomografia por Emissão de Fóton Único (SPECT) permite, através do tracejamento de contraste radioativo, estudar com detalhes e em vários cortes o fluxo sanguíneo cerebral, obtendo também informações indiretas a respeito do metabolismo. Na esquizofrenia é possível observar áreas de hipofluxo, principalmente frontotemporais. A Tomografia por emissão de Pósitrons (PET) é ainda mais sensível, possibilitando o estudo do metabolismo, captando o consumo de glicose marcada radioativamente e, traçando radiofármacos, expõe as propriedades e funções dos receptores de diversos neurotransmissores envolvidos na esquizofrenia. No final da década, a engenharia médica produziu aparelhos de Ressonância Magnética com capacidade superior a 1.5 Tesla, o que permitiu aos pesquisadores, de posse de uma técnica não invasiva, pela simples captação do retorno do sinal emitido, criar os Mapas de Perfusão e a Espectroscopia de Prótons, que consiste num verdadeiro “mapeamento”, utilizando tecnologia de voxel único que estuda pequenas áreas específicas e multivoxel, que abrange áreas mais extensas na percepção da presença de substâncias marcadoras do funcionamento neuronal. A queda da relação entre o N-Acetil-Aspartato e a Creatina (NAA-CR) na área anterior do giro do cíngulo e lobo frontal direitos já vem se estabelecendo como característica. Adveio em somatório a Ressonância Magnética Funcional de Ativação, que estuda a atividade de determinadas regiões do cérebro, capturando a aceleração metabólica no momento da função, seja motora, seja sensitiva, ou mesmo mental. A partir daí, abriu-se um universo infindável de linhas de pesquisa, aumentando sobremaneira a compreensão da intrincada complexidade que cerca a esquizofrenia.Em brilhante palestra no Cogresso Mundial de Psiquiatria de 2005 na cidade do Cairo, Egito, o Prof. Tonmoy Sharma do Clinical Neuroscience Research Centre, UK, apresentou trabalho versando sobre “Os Efeitos cognitivos dos Antipsicóticos no Primeiro Episódio: Estudos Randomizados com Ressonância Magnética Funcional”. O objetivo foi demonstrar se os padrões de imagem na ativação cerebral previamente relatados na Esquizofrenia crônica estavam também presentes no primeiro episódio. Técnicas de Ressonância Magnética Funcional de Ativação (RMf A) foram usadas para comparar a função cerebral durante um teste verbal de memória. Seis pacientes masculinos esquizofrênicos em primeiro episódio, destros, foram pareados com esquizofrênicos crônicos segundo a PANSS. Dois do primeiro grupo eram virgens de tratamento, enquanto todos os outros recebiam terapia antipsicótica em doses semelhantes. Não havia diferença entre os dois grupos quanto ao QI pré-mórbido. Todos foram submetidos à RMf A enquanto executavam o teste denominado “Two-Back Task”. Quando comparados a um grupo de controles normais, ambos os grupos de esquizofrênicos, tanto os de primeiro episódio quanto os crônicos apresentaram hipoativação evidente no córtex pré-frontal direito, giro pré-central e cortex parietal posterior bilateral. Mostraram também hiperativação difusa no giro cuneiforme esquerdo. A ativação no grupo dos esquizofrênicos agudos e crônicos foi menor difusa e desordenada, enquanto no grupo controle mostrou-se mais intensa, concentrada e delimitada às áreas específicas da rede neural envolvida no teste. Os pacientes virgens de tratamento apresentaram alterações mais intensas que o grupo de agudos sob tratamento. Concluindo, as anormalidades observadas não foram devidas à cronicidade da doença nem ao efeito de curto ou longo prazo dos antipsicóticos, porém a introdução do tratamento parece atenuá-las.O trabalho do Prof. Sharma, apesar de abranger uma amostragem diminuta desperta o interesse daqueles que vislumbram na Neuroimagem um poderoso método de exame complementar em Psiquiatria, descortinando a imensa vastidão do campo de pesquisa a ser esquadrinhado.
Marcos Gebara