quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Neuroimagem

Desde seu surgimento, na década de 80, quando as técnicas de neuroimagem permitiram uma visualização mais acurada do encéfalo, os psiquiatras, associados aos neurorradiologistas vêm tentando estabelecer padrões que subsidiem o diagnóstico e o acompanhamento da evolução e do tratamento das doenças mentais. Inicialmente, a Tomografia Computadorizada do Crânio não trouxe um grande auxílio no intuito supramencionado. Na década de 90, começaram a surgir métodos mais sofisticados.
A Ressonância Magnética Estrutural, a princípio com aparelhos de baixa capacidade, já revelava alguns dados que, embora não patognomônicos, mostravam-se extremamente freqüentes nestas entidades nosológicas. Podemos citar o aumento ventricular, o alargamento de sulcos, o “cavum” do septo pelúcido e a atrofia hipocampal e amigdaliana como os mais encontradiços.
Anos mais tarde, com o advento das tecnologias funcionais, acrescentaram-se mais elementos úteis para o melhor entendimento das doenças. A Tomografia por Emissão de Fóton Único (SPECT) permite, através do tracejamento de contraste radioativo, estudar com detalhes e em vários cortes o fluxo sanguíneo cerebral, obtendo também informações indiretas a respeito do metabolismo. Na maioria dos transtornos mentais é possível observar áreas de hipofluxo, principalmente frontotemporais. A Tomografia por emissão de Pósitrons (PET) é ainda mais sensível, possibilitando o estudo do metabolismo, captando o consumo de glicose marcada radioativamente e, traçando radiofármacos, expõe as propriedades e funções dos receptores de diversos neurotransmissores envolvidos nos referidos transtornos. No final da década, a engenharia médica produziu aparelhos de Ressonância Magnética com capacidade superior a 1.5 Tesla, o que permitiu aos pesquisadores, através de uma técnica não invasiva, pela simples captação do retorno do sinal emitido, criar os Mapas de Perfusão sanguínea que analisa a chegada dos nutrientes e do oxigênio nas diversas regiões do cérebro e a Espectroscopia de Prótons, que consiste num verdadeiro “mapeamento químico”, utilizando tecnologia de voxel único que estuda pequenas áreas específicas e multivoxel, que abrange áreas mais extensas na percepção da presença de substâncias marcadoras do funcionamento neuronal. Alterações na relação entre o N-Acetil-Aspartato e a Creatina (NAA-CR), entre a Colina e a Creatina (CO/CR), Mioinositol e Creatina (MI/CR), no Glutamato (GLX) em diversas regiões, como a área anterior do giro do cíngulo, lobos frontais, área posterior do giro do cíngulo, áreas hipocampais e amigdalianas, núcleos da base, córtex pré-frontal e outras já vêm se estabelecendo como características de várias doenças. Adveio em somatório a Ressonância Magnética Funcional de Ativação, que estuda a atividade de determinadas regiões do cérebro, capturando a aceleração metabólica no momento da função, seja motora, seja sensitiva, ou mesmo mental. A partir daí, abriu-se um universo infindável de linhas de pesquisa, aumentando sobremaneira a compreensão da intrincada complexidade que cerca o funcionamento cerebral.
Hoje em dia já é possível, embora não taxativamente, utilizar a Neuroimagem para o diagnóstico e acompanhamento da evolução dos transtornos, e ainda a avaliação de resultados dos tratamentos estabelecidos. Além disso, estes métodos vêm se consolidando como ferramentas indispensáveis para as pesquisas em Neurociências.
Os inúmeros trabalhos já existentes despertam o interesse daqueles que vislumbram na Neuroimagem um poderoso método de exame complementar em Psiquiatria, descortinando a imensa vastidão do campo de pesquisa a ser esquadrinhado.

Marcos Gebara

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Transtorno Bipolar

O transtorno Bipolar é uma doença caracterizada por grandes variações do humor. O indivíduo que padece da doença pode apresentar o humor deprimido, quando os principais sintomas são apatia, desânimo, sensação de fraqueza e incapacidade, falta de prazer na vida, tristeza e, nos casos mais graves, vontade de morrer ou mesmo tentativas de suicídio. No pólo oposto, pode apresentar o humor exaltado, quando os principais sintomas são a aceleração do pensamento, intempestividade, onipotência, falta de limites, euforia, podendo também aparecer irritabilidade, agressividade e comportamento irruptivo. Em ambos os pólos o padecente pode correr riscos, contra si mesmo, quando está deprimido, e contra outras pessoas, quando está em fase maníaca. Habitualmente a doença se apresenta pela alternância destas duas fases, com intervalos de duração variável. Uma outra forma de apresentação acontece quando a depressão e a mania se superpõem, havendo a concomitância de sintomas das duas fases, constituindo o que chamamos de estado misto, muito difícil de tratar.
Os pacientes procuram tratamento principalmente quando deprimidos, pois esta condição lhes causa muito sofrimento, com angústia, queda de rendimento em todos os níveis, prejuízos profissionais, familiares e sociais, tristeza e falta de perspectivas para o futuro. Na fase maníaca, pelo contrário, os pacientes não aceitam o tratamento, sendo trazidos por familiares e circunstantes, devido aos prejuízos que causam a outrem, como gastos imoderados e irresponsáveis, descumprimento de compromissos, condutas inconvenientes, agressões, etc.
Há alguns anos, só se admitia a existência da doença em suas formas mais extremas, quando era denominada psicose maníaco-depressiva. Modernamente, sabe-se que existem gradações do transtorno, formas mais brandas, que denominamos espectro bipolar. Na forma anterior, estudos epidemiológicos acusavam taxas de incidência em torno de 1% da população, enquanto os estudos atuais, que consideram o espectro, apontam para índices cinco vezes maiores. Há indícios convincentes no sentido de que a doença tenha um forte componente hereditário.
As causas do transtorno ainda não são plenamente esclarecidas, mas sabemos que estão envolvidas alterações nos neurotransmissores, como serotonina, noradrenalina, dopamina, glutamato e outros componentes químicos, como a proteína G. Sabemos também que existem alterações da cascata de eventos bioquímicos intracelulares desencadeados pela neurotransmissão, implicando na expressão errônea de gens e seus produtos.
Não há diferença entre os sexos no acometimento pela doença, sendo que as mulheres têm mais tendência à depressão. A eclosão do transtorno pode ocorrer em qualquer etapa da vida, porém é mais freqüente entre o final da adolescência e a meia idade. O diagnóstico de transtorno bipolar em crianças é cada vez mais comum, sendo declinante nos idosos.
Uma boa anamnese e um bom exame psíquico são os pilares fundamentais para o diagnóstico, que é eminentemente clínico, devendo o médico valer-se também de entrevistas com familiares, investigar os antecedentes, ter uma visão ampla do comportamento do paciente em seu contexto de vida.
Hoje em dia, embora ainda não sejam definitivos, já existem alguns exames que podem ajudar o psiquiatra no diagnóstico e no acompanhamento da evolução do tratamento, como técnicas de neuroimagem e laboratoriais.
O tratamento se baseia em substâncias conhecidas como estabilizadores do humor. A mais antiga é o Lítio. Mais recentemente, vêm sendo usados com bons resultados os anticonvulsivantes, como o divalproato e a lamotrigina e os antipsicóticos atípicos, como a olanzapina, a quetiapina e o aripiprazol. Os antidepressivos, quando necessários, devem ser usados em associação com os estabilizadores. Eventualmente, podem ser utilizados também ansiolíticos, como clonazepam, alprazolam, etc.
O psiquiatra é obrigado a observar cuidadosamente o diagnóstico diferencial entre o transtorno bipolar e a depressão recorrente unipolar, pois esta é tratada mandatóriamente com antidepressivos que não devem ser usados isoladamente no paciente bipolar, sob pena de induzir viradas maníacas, estados mistos e ciclagens rápidas, que significam uma evolução maligna para a doença bipolar.
Quando bem tratados, os pacientes bipolares têm grande chance de ter uma vida normal e produtiva, enquanto os não tratados tenderão ao agravamento das crises.
Marcos Gebara