segunda-feira, 9 de abril de 2012

“Workaholic”, Definição, Sintomas e Tratamento


O termo ”Workaholic” foi cunhado pela primeira vez em meados da década de70 pelo americano Wayne Oates. Definia o comportamento de pessoas que se tornaram “viciadas” em trabalhar. Apresentavam uma espécie de compulsão, vivendo seu trabalho 24 horas por dia. Não conseguiam mais dedicar-se a nada que não tivesse ligação direta ou indireta com a produtividade profissional.

A princípio, estas pessoas chegaram a ser bastante valorizadas no mercado, visto que sua “dedicação”acarretava em algum sucesso financeiro. No entanto, com o passar dos anos, ficou evidente que descanso e laser não eram sinônimos de ociosidade e que eram necessários para aumentar o rendimento dos trabalhadores. Ficou claro, também, que o excesso de trabalho poderia implicar em esgotamento físico e mental por stress, levando o indivíduo a um quadro muito parecido com a depressão incluindo irritabilidade extrema, denominado “Síndrome de Burn Out”. O paciente perde a vontade de trabalhar, o prazer nas coisas que antes lhe agradavam, o dinamismo, a energia, fica apático, irritadiço, sujeito a rompantes emocionais, podendo, inclusive, abandonar suas atividades laborantes. Nestas condições a queda vertiginosa do rendimento é inevitável.

Ademais, o apego excessivo ao trabalho pode esconder situações piores, como grande insegurança afetiva, social e familiar, onde o indivíduo, para mitigar seus fracassos em todos os outros setores da vida, mergulha de forma obsessiva no trabalho no intuito de obter valorização e melhorar a autoestima.

O problema, quando ultrapassa os limites do razoável, pode ser encarado como patológico, considerando-se que o padecente fica escravizado pela compulsão, o que poderá propiciar níveis insuportáveis de angústia. Não há, nos sistemas classificatórios oficiais (CID X, DSM IV) nenhum item específico para a morbidade em tela. Porém, pode ser enquadrada no grupo dos Transtornos do impulso e da vontade, tanto quanto a vigorexia, o comprar compulsivo, o jogo patológico, alguns casos de transtornos alimentares e dependência química, mais modernamente o “vicio da Internet”, entre outros. Afeta igualmente homens e mulheres em idade produtiva e alguns estudos recentes têm mostrado que acomete cerca de 5% da população economicamente ativa.

Estes mesmos estudos demonstram fartamente que o descanso, o sono e o laser são fundamentais para a produtividade no trabalho. As grandes empresas já incorporaram a idéia e desenvolvem programas para que o trabalho seja dosado equilibradamente, estimulando atividades esportivas, sociais, culturais, etc.

Diagnosticada a condição de morbidade, o tratamento indicado conjuga técnicas psicoterápicas facilitadoras do entendimento e do gerenciamento das deficiências psicológicas com farmacoterapia para os sintomas depressivos e ansiosos.

Existem circunstâncias nas quais um profissional é obrigado a trabalhar ininterruptamente, por força da necessidade de terminar tarefas, prazos curtos, ou mesmo entusiasmo pela criatividade exercida naquele trabalho. Nestes casos, a dedicação excessiva é pontual e necessária, cumpre um objetivo definido, não configurando patologia. Também existem pessoas que trabalham muito por que são apaixonadas pela sua atividade, encontram aí grande satisfação e realização profissional e não deixam de vivenciar intensamente outras facetas igualmente importantes em suas vidas. Têm boas relações afetivas e familiares, transitam bem socialmente, praticam exercícios físicos, cuidam da saúde, levando uma vida normal e saudável. Estes são denominados “worklovers”.

Uma metáfora literária muito interessante do “workaholic” é o personagem “Alferes” de Machado de Assis, que, ao se mirar no espelho, só conseguia ver sua própria imagem se estivesse vestindo seu engalanado uniforme militar. O genial autor brasileiro, em meados do século XIX, exemplifica de forma soberba a pessoa que vive da “persona”, faceta sociosintônica da personalidade sem qual não é nada. Retrata, de forma quase premonitória, a fragmentação egoica dos nossos “workaholics”, que só conseguem ser alguém na azáfama da função ininterrupta, ostentando seus celulares e laptops em qualquer mesa de bar.

Marcos Gebara



Depressão e Doenças Clínicas

                                                                                                 Edgar Degas: Melancolia - 1874
                

A observação médica criteriosa já demonstrava, desde tempos remotos, que a depressão anda de mãos dadas com diversas doenças clínicas, principalmente crônicas. Estudos epidemiológicos mais recentes vêm confirmando de forma inquestionável tal fato. A depressão pode aparecer como conseqüência, como causa, ou, simplesmente coexistir com uma doença clínica sem que haja uma correlação entre uma e outra.
Pode ainda ser uma complicação da doença, ou mesmo de seu tratamento. A comorbidade em tela complica a evolução e o prognóstico tanto da condição médica geral como da própria depressão¹.

Epidemiologia

Cerca de um terço dos pacientes com doenças crônicas apresentam sintomatologia significativa de depressão²,sendo que a incidência de síndromes depressivas sobre doentes internados é três vezes maior do que a encontrada nos pacientes ambulatoriais, aumentando a morbimortalidade, o risco de suicídio em situações mais graves, a perda de produtividade e qualidade de vida, o absenteísmo ao trabalho e a incapacitação². Além disso, a depressão implica em baixa adesão¹aos tratamentos prescritos. Contrariamente, o tratamento do quadro depressivo aumenta sobremodo as chances de recuperação da doença e diminui o tempo necessário para tal. Esta relação, freqüentemente passa despercebida, mal interpretada ou é negligenciada, de forma que a depressão é subdiagnosticada (menos da metade dos casos) e apenas 10 a 30 % dos casos diagnosticados recebem tratamento adequado4.
 
Etiologia

Em diversas situações, doenças clínicas produzem, “per se”, sintomatologia depressiva importante, assim como um quadro depressivo polimorfo pode ser a manifestação aparente de uma patologia clínica. Sintomas como tristeza, angústia, apatia, anergia, adinamia, anedonia, insônia, anorexia, perda de peso, lentificação psicomotora, dores difusas e outros podem ser enquadrados nos dois casos2. Sintomas somáticos, específicos da condição médica também podem ser amplificados pela depressão, dificultando o cenário terapêutico e sombreando o prognóstico. Na tabela abaixo podemos observar diversas condições médicas que podem estar associadas comumente à depressão;
                  



Fisiopatologia

O stress prolongado, e assim podemos considerar as enfermidades crônicas (pelo seu caráter espoliativo), compromete todo o sistema neuroimunoendócrino, a começar pelas ações deletérias do cortisol, hiper-reatividade do eixo HPA, facilitação das atividades degenerativas das interleucinas e citocinas pró-inflamatórias, baixa produção de fatores neurotróficos (BNDF, NGF, VEGF) com a consequente atrofia neuronal (diminuição das espinhas dendríticas e axonais, pouca conectividade) com diminuição volumétrica e funcional em diversas áreas do SNC, como hipocampo e córtex pré-frontal dorsolateral, ventromedial e subgenual, córtex cingulado anterior, nucleus accumbens, striatum, hipotálamo e cerebelo, assim como alterações nas amígdalas, rafe e locus ceruleus, comprometendo a neurotransmissão (serotonina, noradrenalina, dopamina, acetilcolina, neuropeptídios)3,5, distorção, via metilação do DNA, na transcrição e expressão gênicas, acarretando na síntese anormal de proteínas5. Estas condições levam, de forma inequívoca, à eclosão de sintomatologia depressiva3,5.

Tratamento

Em adição à terapêutica indicada para a doença clínica comórbida, o tratamento prolongado com substâncias antidepressoras, além de sua propriedade de normalizar a neurotransmissão disponibilizando maior quantidade de neurotransmissores na fenda sináptica, tem efeito neuroprotetor, promovendo, através de uma cascata de eventos intracelulares, a neurogênese, a sinaptogênese e, consequentemente, a neuroplasticidade3,5. Eleva a produção de neurotrofinas (propiciadoras da sobrevivência e desenvolvimento dos neurônios), propicia a fosforilação das histonas (acarretando em desmetilação do DNA), liberando a expressão gênica, finalmente normalizando a síntese protéica, base de todo o funcionamento do sistema5.


O tratamento da depressão associada a uma doença clínica é fundamental porque pode melhorar sobremaneira a evolução e o prognóstico desta, diminuir a mortalidade ou aumentar a sobrevida. Estudos gabaritados demonstram fartamente que a perda de qualidade de vida imposta pela comorbidade resulta muito maior do que a soma dos efeitos nefastos das entidades mórbidas em separado4.

Caso confirmado o diagnóstico de depressão, está indicada a intervenção farmacoterápica, coadjuvada por abordagem psicoterápica, se possível. A escolha do medicamento antidepressivo deve cotejar o perfil farmacológico da substância com o perfil sintomático do paciente. A título de exemplo, se o psiquiatra se depara com um quadro psicopatológico no qual a sintomatologia predominante é apato-abúlica com hipersonia e hiperorexia é plenamente aplicável um medicamento como a Venlafaxina. Se, ao contrário, a preponderância recai sobre sintomas depressivo-ansiosos com insônia e anorexia, a escolha pende para um fármaco do tipo da Mirtazapina. De modo geral, os ISRS, já bem estudados, são muito seguros e eficazes, especialmente o Escitalopram, face ao baixo potencial de interações medicamentosas e efeitos adversos.

Marcos Gebara
Referências Bibliográficas

1 - Dimateo, M.R., Lepper H. S., Cogham T. W. –Depression is a Risk Factor for Noncompliance with Medical Treatment: Meta-Analysis of the Effect of Anxiety and Depression on Pacient Adherence. Arch. Intern. Med. 160:2101-7, 2000.
2 – Katon W. J. – Clinical and Health Services Relationsips Between Major Depression, Depressive Symptoms and General Medical Ilness. Biol. Psychiatry 54:16-26, 2003.

3 – Masterclass on Psychofarmacology in Affective Disorders by Professor Herman Westenberg – University Medical Center, Utrecht, 2011.

4 – Robertson M. M., Katona C. L. E. – Depression and Physical Ilness. Chichester, Wiley, 1997.

5 – Yale Department of Psychiatry, Mood Disorders Preceptorship, New Haven, 2010.