Edgar Degas: Melancolia - 1874
A observação
médica criteriosa já demonstrava, desde tempos remotos, que a depressão anda de
mãos dadas com diversas doenças clínicas, principalmente crônicas. Estudos
epidemiológicos mais recentes vêm confirmando de forma inquestionável tal fato.
A depressão pode aparecer como conseqüência, como causa, ou, simplesmente
coexistir com uma doença clínica sem que haja uma correlação entre uma e outra.
Pode ainda
ser uma complicação da doença, ou mesmo de seu tratamento. A comorbidade em
tela complica a evolução e o prognóstico tanto da condição médica geral como da
própria depressão¹.
Epidemiologia
Cerca de um
terço dos pacientes com doenças crônicas apresentam sintomatologia
significativa de depressão²,sendo que a incidência de síndromes depressivas
sobre doentes internados é três vezes maior do que a encontrada nos pacientes
ambulatoriais, aumentando a morbimortalidade, o risco de suicídio em situações
mais graves, a perda de produtividade e qualidade de vida, o absenteísmo ao
trabalho e a incapacitação². Além disso, a depressão implica em baixa
adesão¹aos tratamentos prescritos. Contrariamente, o tratamento do quadro
depressivo aumenta sobremodo as chances de recuperação da doença e diminui o
tempo necessário para tal. Esta relação, freqüentemente passa despercebida, mal
interpretada ou é negligenciada, de forma que a depressão é subdiagnosticada
(menos da metade dos casos) e apenas 10 a 30 % dos casos diagnosticados recebem
tratamento adequado4.
Etiologia
Em diversas
situações, doenças clínicas produzem, “per se”, sintomatologia depressiva
importante, assim como um quadro depressivo polimorfo pode ser a manifestação
aparente de uma patologia clínica. Sintomas como tristeza, angústia, apatia,
anergia, adinamia, anedonia, insônia, anorexia, perda de peso, lentificação
psicomotora, dores difusas e outros podem ser enquadrados nos dois casos2.
Sintomas somáticos, específicos da condição médica também podem ser
amplificados pela depressão, dificultando o cenário terapêutico e sombreando o
prognóstico. Na tabela abaixo podemos observar diversas condições médicas que
podem estar associadas comumente à depressão;
Fisiopatologia
O stress
prolongado, e assim podemos considerar as enfermidades crônicas (pelo seu
caráter espoliativo), compromete todo o sistema neuroimunoendócrino, a começar
pelas ações deletérias do cortisol, hiper-reatividade do eixo HPA, facilitação
das atividades degenerativas das interleucinas e citocinas pró-inflamatórias,
baixa produção de fatores neurotróficos (BNDF, NGF, VEGF) com a consequente
atrofia neuronal (diminuição das espinhas dendríticas e axonais, pouca
conectividade) com diminuição volumétrica e funcional em diversas áreas do SNC,
como hipocampo e córtex pré-frontal dorsolateral, ventromedial e subgenual,
córtex cingulado anterior, nucleus accumbens, striatum, hipotálamo e cerebelo,
assim como alterações nas amígdalas, rafe e locus ceruleus, comprometendo a
neurotransmissão (serotonina, noradrenalina, dopamina, acetilcolina,
neuropeptídios)3,5, distorção, via metilação do DNA, na transcrição
e expressão gênicas, acarretando na síntese anormal de proteínas5.
Estas condições levam, de forma inequívoca, à eclosão de sintomatologia
depressiva3,5.
Tratamento
Em adição à
terapêutica indicada para a doença clínica comórbida, o tratamento prolongado
com substâncias antidepressoras, além de sua propriedade de normalizar a
neurotransmissão disponibilizando maior quantidade de neurotransmissores na
fenda sináptica, tem efeito neuroprotetor, promovendo, através de uma cascata
de eventos intracelulares, a neurogênese, a sinaptogênese e, consequentemente,
a neuroplasticidade3,5. Eleva a produção de neurotrofinas
(propiciadoras da sobrevivência e desenvolvimento dos neurônios), propicia a
fosforilação das histonas (acarretando em desmetilação do DNA), liberando a
expressão gênica, finalmente normalizando a síntese protéica, base de todo o
funcionamento do sistema5.
Caso
confirmado o diagnóstico de depressão, está indicada a intervenção
farmacoterápica, coadjuvada por abordagem psicoterápica, se possível. A escolha
do medicamento antidepressivo deve cotejar o perfil farmacológico da substância
com o perfil sintomático do paciente. A título de exemplo, se o psiquiatra se
depara com um quadro psicopatológico no qual a sintomatologia predominante é
apato-abúlica com hipersonia e hiperorexia é plenamente aplicável um
medicamento como a Venlafaxina. Se, ao contrário, a preponderância recai sobre
sintomas depressivo-ansiosos com insônia e anorexia, a escolha pende para um
fármaco do tipo da Mirtazapina. De modo geral, os ISRS, já bem estudados, são
muito seguros e eficazes, especialmente o Escitalopram, face ao baixo potencial
de interações medicamentosas e efeitos adversos.
Marcos Gebara
Referências Bibliográficas
1 - Dimateo, M.R., Lepper H. S., Cogham T.
W. –Depression is a Risk Factor for Noncompliance with Medical Treatment:
Meta-Analysis of the Effect of Anxiety and Depression on Pacient Adherence.
Arch. Intern. Med. 160:2101-7, 2000.
2 – Katon W. J. – Clinical and Health
Services Relationsips Between Major Depression, Depressive Symptoms and General
Medical Ilness. Biol. Psychiatry 54:16-26, 2003.
3 – Masterclass on Psychofarmacology in
Affective Disorders by Professor Herman Westenberg – University Medical Center,
Utrecht, 2011.
4 – Robertson M. M., Katona C. L. E. –
Depression and Physical Ilness. Chichester, Wiley, 1997.
5 – Yale Department of Psychiatry, Mood
Disorders Preceptorship, New Haven, 2010.